“Tarifa” talvez seja a segunda palavra mais bonita do dicionário para Trump. A primeira é “Negociação”...
- Eduardo Dornelas
- 8 de abr.
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Durante um comício em sua campanha à presidência dos EUA, o Presidente Donald Trump afirmou que, na sua opinião, a palavra mais bonita do dicionário era “tarifa” (tariff). De fato, é impossível negar o apreço de Trump por esse tipo de política comercial. Isso fica evidente pelo uso dessa política sobre o comércio bilateral com a Colômbia em fevereiro, estando a menos de um mês na presidência, visando a retaliar ações do governo colombiano sobre questões migratórias.
O uso desse tipo de retórica contra a Colômbia, o principal parceiro político e diplomático dos EUA na América do Sul, causou certo estranhamento e alvoroço. No entanto, o incidente – que foi resolvido em questões de poucos dias – deu fôlego para que Trump se aventurasse a taxar seus principais parceiros comerciais: México, Canadá e China. Esse evento acabou por ofuscar o anterior tanto em magnitude financeira quanto em política pela importância que o comércio com esses países desempenha para a economia americana, além dos laços culturais, políticos e diplomáticos que México e Canadá nutriam com os EUA.
No caso da China, a tarifa adicional de 10% imposta em fevereiro ao país continua em vigor. Para México e Canadá, após alguns retrocessos e progressos nas negociações, as tarifas permaneceram zeradas para os itens abarcados pelo Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA, na sigla original). Tal acordo foi implementado em 2020 (pelo próprio Trump) e foi sucessor do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, na sigla original), que vigorava desde 1994 e foi alvo de críticas de Trump em seu primeiro mandato no salão oval. Para itens fora do escopo do USMCA, mantiveram-se as tarifas adicionais de 25%.
Como diria Elis Regina, todos esses eventos são “Águas de Março”. Para o segundo dia de abril, Trump preparou algo especial, o “Liberation Day” (Dia da Libertação, 2 de abril). Esse nome, dado pelo próprio presidente, se deve ao seu discurso de que, após décadas de abertura do mercado americano para nações que implementavam tarifas assimétricas, esse estado de injustiça (com os EUA) seria corrigido via implementação de um “tarifaço”. A ação seria tanto uma retaliação como também uma forma de promover o “reshoring” – isto é, trazer a produção de diversos produtos, hoje realizados em países periféricos, de volta aos EUA.
Além da justificativa pública, o “Liberation Day” também possui um segundo propósito: custear a esperada redução dos impostos sobre os americanos via aumento de arrecadas com tarifas de importação. A redução dos impostos ainda não foi implementada, mas espera-se que uma coisa compense a outra.
As medidas anunciadas no “Liberation Day” consideram:
+10% de tarifa sobre todas as importações, independente da origem, com exceção dos casos que possuem regras específicas (explicados a seguir);
Tarifas adicionais específicas para países que Trump alega terem se usufruído dos EUA – uma lista de regiões que considera desde países e blocos há anos alinhados politicamente com os EUA, tais como União Europeia, Israel e Japão; até ilhas inabitadas, como Heard and McDonald.
Tais pontos se somam às tarifas adicionais de 25% para itens fora do USMCA, além de 25% em tarifas adicionais para a importação de aço, alumínio e automóveis. O Quadro 5 apresenta uma lista dos 20 maiores fornecedores dos EUA e as tarifas impostas desde o início da segunda administração de Trump.
20 PRINCIPAIS ORIGENS DE IMPORTAÇÃO DOS EUA E AS TARIFAS APLICADAS


Fonte: Casa Branca. Elaboração: GO Associados
A imposição das tarifas causou grande alvoroço na economia global. No dia seguinte, que ficou conhecido como “Reaction Day” (3 de abril), diversos países criticaram as medidas americanas e alguns – em especial, os países da União Europeia - ameaçaram tarifas de retaliação. Adiantada, a China impôs um tarifaço de 34% na importação de produtos americanos, na mesma medida das tarifas impostas por Trump no dia anterior.
Em relação aos mercados, diversos índices de bolsa de valores pelo mundo caíram tanto no “Reaction Day” quanto na sexta-feira – destaque para os principais índices americanos, que caíram em torno de 10% desde o Liberation Day. Enquanto os principais organismos multilaterais calculam os impactos do choque gerado, a Diretora do Fundo Monetário Internacional, Kristalina Georgieva, já adiantou que as medidas tomadas por Trump representam um significante aumento de risco para a economia global em um momento em que o crescimento se mantém lento.
Por meio do modelo de equilíbrio geral Global Trade Analysis Project (GTAP), a GO Associados simulou os efeitos de longo-prazo sobre o Produto Interno Bruto (PIB) e sobre a inflação (deflator implícito do PIB) das medidas impostas pela administração Trump sobre os países envolvidos, incluindo o Brasil. Para tanto, foram consideradas as tarifas do Liberation Day, além da retaliação já imposta pela China. Os resultados obtidos, apresentados no Quadro 6, devem ser entendidos como desvios da trajetória de longo-prazo de cada região (no jargão econômico, é a diferença de estado estacionário). Isto é, não são efeitos de curto prazo, que possivelmente seriam bem mais intensos do que os apresentados, mas a diferença entre a trajetória dos indicadores sem a imposição de tarifas contra a nova trajetória pós-tarifas.
RESULTADOS DO GTAP CONSIDERANDO AS TARIFAS DO LIBERATION DAY

Elaboração: GO Associados.
Um ponto importante para se entender os resultados encontrados é a reorganização das cadeias produtivas e do comércio global: dada a magnitude e extensão do tarifaço, novas linhas de comércio serão criadas e relações bilaterais serão fortalecidas. Nesse sentido, a Secretária de Comércio Exterior do Brasil, Tatiana Prazeres indicou, em evento recente do IBRAC, que o Brasil chama a atenção de outros países por não se envolver em disputas geopolíticas, além do atual cenário comercial global possibilitar fechar acordos que, antes, não teriam atratividade.
Ao importar menos, os EUA acabam por gerar excedentes de produção em outros países, que procuram por novos parceiros comerciais para escoar seus produtos. As tarifas retaliatórias dos outros países contra os EUA, por sua vez, também podem induzir produção em outros locais, no sentido de que a opção do produto americano se torna cara. Por fim, um terceiro vetor de rearranjo é a própria desaceleração da economia americana, demandando e produzindo menos bens.
Nesse sentido, o Brasil parece se beneficiar no novo rearranjo global, especialmente das tarifas impostas pelos EUA à China e a política de reciprocidade chinesa. O PIB, a longo prazo, deve crescer 0,15%, ao passo que a inflação também crescerá. Para os EUA, os resultados indicam um choque principalmente inflacionário, sendo o impacto no PIB negativo, mas reduzido.
Cabe destacar que, além do tarifaço per se, que já era esperado em algum nível dada as ameaças anteriores de Trump, as críticas também focaram em como as tarifas implementadas foram calculadas. Durante seu discurso, Trump apresentou seu “cardápio de tarifas” com três colunas – a primeira, com nomes de países; a segunda, com o título “Tariffs Charged to the USA” (“Tarifas Cobradas dos EUA”); e a terceira, com a tarifa recíproca a ser cobrada pelos EUA.

Fonte: Casa Branca.
No entanto, muitos analistas estranharam a informação sobre as tarifas que os outros países cobravam dos EUA, visto que não correspondiam aos números efetivos: no geral, as tarifas indicadas por Trump eram maiores do que as efetivamente cobradas. A solução do mistério apareceu no mesmo dia, após o escritório executivo do United States Trade Representative que responde ao gabinete do Presidente publicar a memória de cálculo utilizada.
Em suma, os números da segunda coluna da tabela apresentada por Trump representavam o déficit comercial dos EUA com o parceiro comercial dividido pelo total de importações americanas desse parceiro. Por sua vez, as tarifas “conservadoras” aplicadas pelos EUA são cerca de metade do valor supostamente taxado pelos demais países. Para países em que os EUA possuem superávit comercial, como o Brasil, aplicou-se uma tarifa universal de 10%, do contrário, a tarifa a ser aplicada seria negativa. Em resumo, as tarifas de Trump seguiram as seguintes regras:


Existem diversos pontos de crítica em relação à metodologia utilizada. Por exemplo, a fórmula utilizada não reflete as políticas tarifárias impostas pelos países, mas apenas a dimensão do déficit comercial americano nas transações comerciais com um país específico. Por exemplo, diversos países de pouca proeminência econômica, como o Lesoto, apareceram no quadro de Trump como se cobrassem tarifas extremamente altas, acima de 90%. No entanto, conforme o banco de dados World Integrated Trade Solutions (WITS), do Banco Mundial, a alíquota máxima que o país africano tarifa os EUA é 48% (“pedaços e miudezas” de frango, código 0207.14).
Déficits comerciais não são apenas derivados de barreiras tarifárias (e não tarifárias), mas, por vezes, da estrutura da economia. Considerando que as exportações americanas são, em geral, de produtos com maior valor agregado e que o Lesoto é um país de baixa renda, provavelmente o déficit comercial existente se deve tão somente à baixa demanda que existe para os produtos americanos. Em vez de taxar as importações do Lesoto, uma estratégia mais adequada para os EUA seria incentivar a economia do Lesoto de forma que, no futuro, o país tivesse condições de comprar os produtos de alto valor agregado norte-americano.
O déficit comercial dos EUA também é um reflexo da sua própria economia. Tal como outros países com economias desenvolvidas, os EUA possuem um forte setor de serviços que, em geral, possui produtividade maior do que o setor industrial. Isso implica que, em vez de produzir os produtos que consome, os EUA apenas os desenvolvem, delegando a países com custos produtivos mais baixos a sua produção.
Ainda, há casos em que os EUA simplesmente não possuem vantagem produtiva, por exemplo, para a produção de frutas tropicais. Há décadas os EUA mantêm déficits comerciais com o restante do mundo nesses produtos e isso nunca os impediu de continuar na liderança política e econômica global. Isto é, há casos de produtos e serviços em que é natural haver déficit.
Por fim, muitos especulam que a real intenção do tarifaço de Trump não seja a simples valorização do produto estadunidense, mas forçar rodadas de negociação entre os EUA e seus parceiros comerciais, que deverão fazer concessões relevantes para conseguir melhores condições de comércio. Trump parece ter substituído o corolário “fale mansinho com um porrete na mão”, da Doutrina Monroe, por uma abordagem menos suave, sem o “mansinho”, mas com o “porrete” já causando incômodo. Com isso, talvez a palavra mais bonita do dicionário para Trump não seja “tarifa”, mas sim “negociação” – ainda que sob uma lógica econômica bastante questionável.
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