Independência do Banco Central, juros, regra fiscal e meta de inflação: a ordem dos fatores altera (e muito) o produto... Independência do Banco Central: evidência da literatura
• Segundo Garrida e Rodriguez (2020), a autonomia do BC contribui para controlar a inflação e atingir equilíbrio macroeconômico. Quanto maior a independência do BC, menor a inflação. Este efeito é maior em países democráticos na comparação aos não democráticos.
• Vários outros trabalhos apontam para a importância da independência para manter a inflação sob controle, como e Alesina e Summers (1993). Jacóme e Vázques (2008) também encontraram uma relação negativa entre níveis de independência e inflação; Ülger (2020) analisa o caso turco e mostra os efeitos positivos da garantia legal e na prática da independência do BC.
• A independência do Banco Central está em linha com a lei das agências reguladoras que confere autonomia a estes órgãos que devem ser de Estado e não de governo.
Juros e inflação
• Os juros básicos são utilizados como instrumento de política monetária para controlar a inflação, além de servir para remunerar os detentores dos títulos públicos. Portanto, são influenciados pela necessidade de financiamento do setor público e pelo nível de inflação, sendo mais resultados dos fundamentos da economia e de choques do que causa.
• A melhor forma para redução dos juros é o controle dos gastos públicos via redução dos gastos, pois isso reduz a demanda agregada da economia, com menor pressão sobre o nível de preços. Adicionalmente, o controle dos gastos públicos disponibiliza mais recursos para empréstimos e melhora os fundamentos da economia. Esses efeitos abrem espaço para redução dos juros básicos e dos empréstimos para o setor privado.
Experiência brasileira recente com metas de inflação
• O Brasil estourou por dois anos consecutivos a meta de inflação. Em 2021 a meta de inflação era de 3,75%, com tolerância até 5,25%. O Banco Central passou a subir os juros em março de 2021, a taxa básica de juros passou de 2% para 2,75% ao ano.
• A primeira alta em seis anos marcou a primeira reunião do Comitê de Política Monetária após a entrada em vigor da Lei Complementar 179/21, que garantia autonomia para o Banco Central.
• Durante o período eleitoral de 2022 a inflação seguiu acelerada, o governo se esforçou para baixar os preços dos combustíveis via redução de impostos e com gastos em programas sociais, criando incerteza fiscal e forçando o Banco Central a atuar para atenuar a pressão inflacionária produzida pela depreciação do Real.
• Entre 2021 e 2022, o Banco Central atuou em linha com as determinações legais para conter a inflação. Assim como em 2023, sem uma definição da âncora fiscal que deverá substituir o teto de gastos, a incerteza fiscal permanece. Diante de tal cenário, é coerente a diretoria do Banco Central manter a postura que adotou no governo anterior, indicando que apesar das críticas com viés político, a condução da política monetária tem sido técnica.
A atual meta de inflação deveria ser alterada? Se sim, quando?
• Garantir a autonomia do Banco Central não significa corroborar com qualquer política adotada por sua gestão. A independência, neste caso, garante que as decisões sejam pautadas por critérios técnicos e devam ser revistas de acordo com a conjuntura econômica e não por conveniência política.
• Já houve mudanças no centro da meta de inflação na história recente do Brasil. Em janeiro de 2003 Henrique Meirelles elevou a meta do ano de 4% para 8,5% e de 2004 de 3,75% para 5,5%.
• Esta alteração, entretanto, não comprometeu credibilidade de Meirelles que, segundo Silva (2018) manteve elevada credibilidade.
• No caso da meta de inflação, há critérios técnicos que indicam que uma mudança no centro da meta seria positiva. Araújo et. al (2022) apresenta a relação entre o nível inicial de dívida bruta/PIB e a meta ótima de inflação estimada pelos autores. O Brasil encerrou 2022 com uma DBGG/PIB de 73,5% - o que sugeriria que 4% é um patamar mais apropriado para a realidade atual da economia brasileira. A tabela abaixo, sumaria os resultados:
• Por outro lado, estudos recentes como Hansen e McMahon (2019) mostram a importância da comunicação da autoridade monetária sobre a taxa de juros de longo prazo.
• Uma mudança na meta de inflação não baseada em critérios técnicos, mas sim em pressão política afetaria negativamente tanto a expectativa de inflação futura como a expectativa de taxa de juros de longo prazo. • É preciso analisar qual seria a resposta das expectativas frente a uma alteração na meta no contexto atual de pressão política e tentativa de intervenção do novo governo. Os efeitos sobre as expectativas de inflação e juros seriam negativos se a comunicação indicasse que: i. A alteração da meta teria sido política e não uma decisão técnica; ii. O Banco Central teria sucumbido a uma pressão política que poderia ocorrer novamente no futuro; iii. Tanto o Banco Central como o novo governo tolerariam uma inflação mais alta desde que a taxa de juros estivesse mais baixa. • Há, portanto, critérios técnicos que indicam uma elevação do centro da meta para 4%. Entretanto, a maneira como este aumento na meta está sendo comunicado causará efeitos negativos tanto no curto, com aumento das expectativas de inflação, como no longo prazo, com aumento das taxas de juros. • Os dados da Pesquisa Focus sugerem que já há uma desancoragem das expectativas com nove altas consecutivas da inflação para 2023 e projeção que supera o teto da meta. • Seria recomendável: o avaliar uma mudança da meta somente após a aprovação de uma regra fiscal crível; o sinalizar claro compromisso com a independência do Banco Central; o esperar a reunião do CMN de meados do ano para avaliar com sólida base empírica a necessidade de eventual ajuste na atual meta.
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